A Nova Zelândia é um dos maiores produtores de leite do mundo; o país produz 22 bilhões de litros de leite, onde mais de 21 bilhões são exportados. Seu isolamento geográfico protege seu rebanho de doenças; sua condição climática perfeita, seu solo extremamente fértil, abundância de água e tecnologia aliados à organização fazem dela o local ideal para se produzir leite.

No Brasil, a realidade não é muito diferente, temos um ótimo clima para a produção de volumoso, mais áreas que podem ser destinadas a produção, grandes entidades de ensino e pesquisa e tantas outras vantagens; e não conseguimos produzir tão bem, com eficiência e com tanta qualidade de sólidos quanto eles.

Qual o segredo da Nova Zelândia? O segredo está na forma como eles produzem, eles enfrentam épocas de frio intenso e limitação no tamanho do rebanho, ou seja, não podem se dar ao luxo de errar, eles priorizaram tanto a excelência na produção que hoje produzem de forma mecânica, diminuindo desperdícios e extraindo o máximo que conseguem de suas vacas nos “períodos produtivos”. 

Escrevemos este artigo contendo 10 lições que deveríamos aprender com a Nova Zelândia, extraídos da palestra de Airton Spies, coordenador-geral da Aliança Láctea Sul-Brasileira. Segundo Airton “a lógica do modelo neozelandês está centrada na eficiência da produção para tornar o país competitivo no mercado global. A retirada dos subsídios agrícolas elevou a eficiência e a competitividade do setor leiteiro no país. Além disso, houve investimentos no melhoramento genético, adoção de tecnologias de ponta, ganho de escala de produção, organização dos produtores e da indústria, além da ênfase na gestão da atividade e no sistema de produção a pasto”, explica. Vamos às 10 lições que podemos extrair e aprender com os Neozelandeses.

1. Aproveitar ao Máximo o Clima ou “Aproveitar a Fotossíntese”

O clima no Brasil favorece extrair o máximo do potencial produtivo das forrageiras e permite produzir leite todos os dias do ano por não ter um calor exorbitante, nem temperaturas extremamente gélidas; ter uma quantidade de chuvas razoavelmente boa; não possuir catástrofes naturais; boa taxa de incidência de luz e as estações do ano são bem divididas e amenas.

Dessa forma é possível manter uma produção durante os 12 meses do ano, o que nos dá mais tempo para produzir que o pessoal da Nova Zelândia. Além disso, para produzir durante os 12 meses, devemos preparar um plano de produção com gastos com alimentação por mês, gastos com mão de obra, investimentos planejados e programação de quantidade de leite produzido, antes do início do ano e colocá-lo em prática assim que o ano começar. O planejamento não tira 100% dos problemas, mas ajuda a entender melhor o que precisamos fazer durante o ano e quais os períodos serão mais complicados e com maiores gastos.

2. Tratar o Pasto como Lavoura

Na Nova Zelândia a produção via pastejo intensivo é a mais comum, pois, o preço para se produzir é menor e o leite ganha muito mais proteínas e gordura e para manter a produção com qualidade, eles tratam o pasto como se fosse uma lavoura. Porque eles fazem isso?

Eles já passam pelas dificuldades climáticas de não produzirem em certas épocas do ano, se não conseguirem manter uma alimentação excepcional para seu rebanho, eles não conseguirão manter uma produção tão satisfatória quanto desejam. Grande parte da produção da Nova Zelândia é feita com o gado a pasto, ou seja, a pastagem é a fonte de alimentação do gado, tornando-se o local de onde retiram a energia necessária para produzir leite e se o pasto estiver ruim o rebanho não conseguirá se alimentar bem e perderá qualidade e quantidade de produção de leite.

3. Melhoramento de Pastagens, Pecuária de Precisão e Genética do Rebanho: Foco em Resultados

A pecuária de precisão utiliza o máximo possível dos recursos tecnológicos disponíveis para definir as decisões das fazendas, diminuindo as decisões por “achômetro” e trazendo maior profissionalismo para as propriedades rurais. Essas tomadas de decisões da pecuária de precisão são mais eficientes e diminuem os riscos dentro da propriedade, isso economiza dinheiro e tempo com retrabalhos.

Esse estilo de pecuária ajudou a Nova Zelândia a diminuir erros e retrabalhos, podendo assim tomar as melhores decisões e priorizar a rentabilidade da produção do leite. Onde eles aplicaram a pecuária de precisão? Como comentado anteriormente, eles tratam a pastagem como lavoura e fazem isso pois aprenderam que o custo de plantio pode ser diminuindo se o capim utilizado no plantio dos piquetes for o melhor para aquele terreno e o pós-pastejo e a rebrota forem de qualidade. Mas eles utilizaram apenas no melhoramento na pastagem? Não, eles também fizeram um melhoramento genético excepcional, buscaram qual a raça de animais melhor se adequava a região e fizeram os cruzamentos que precisavam para aumentar a produção e a qualidade do leite.

4. Pagamento pela Qualidade e pelo Sólido

Leite precisa ser visto como matéria prima para centenas de produtos industrializados. Portanto, pagamento por sólidos e por qualidade é essencial; preço por litro um dia vai ser coisa do passado. O leite produzido na Nova Zelândia foi planejado para possuir grandes níveis de sólidos, ou seja, gordura e proteína. Com isso eles começaram a vender em vez de quantidade de litros de leite, vender qualidade de sólidos no leite. Porque eles optaram por isso? Como eles produzem quase que unicamente para exportação vender o leite in natura é inviável, então o leite é transformado em leite em pó. Para a transformação do leite em pó o melhor leite é o gorduroso, que dará uma maior conversão.

5. Tecnologia para Manejo

Todo dia uma nova coisa é aprendida ou criada, dificilmente estamos por dentro de todas as novidades que ocorrem em nossa atividade, mas não significa que não devemos buscar sempre conhecer coisas novas. No manejo de pastagem sempre ouvimos falar sobre um capim novo, ou uma forma melhor para fazer a adubação, quantos bebedouros devemos colocar para o gado não passar sede e coisas assim, mas quantas vezes buscamos realmente aprende-las ou coloca-las em pratica?

Na Nova Zelândia todos buscam melhorar o máximo que conseguem, seja com uma nova técnica ou uma máquina que aumentará a produção e melhorar a qualidade de seus leites, pois já perceberam que quanto mais você investe e busca novidades maiores são seus resultados, ficar estagnado significa perder dinheiro e isso eles não gostam muito de fazer, então estão sempre buscando aprender algo novo e colocá-lo em prática.

6. Organização da Cadeia Produtiva como Formalização da Relação Produtor – Indústria

Não é só o produtor que deve buscar mudanças, a indústria deve estar disposta a proporcionar algumas mudanças também, como: rotas de coleta de leite mais eficientes (47 litros por km no Brasil / 215 litros por km na Nova Zelândia); padronização da matéria prima; regularidade de oferta; aumento de eficiência; melhoria da qualidade da matéria prima; viabilização dos investimentos em assistência técnica; viabilização de apoio a investimentos.

Fazendo isso a qualidade dos produtos vendidos pela Nova Zelândia aumenta, pois, a matéria prima fica com uma qualidade maior e mais padronizada e a oferta permanece constante, com maiores números de produtores.

7. Aumento de Escala Através de Segmentação do Processo Produtivo

A forma como produzimos hoje exige que nossas atenções estejam voltadas para a fazenda 24 horas por dia, isso nos transforma em “escravos da produção”, para que isso não aconteça mais, precisamos transformar a produção em um processo produtivo com definição de atividades para cada um de nossos funcionários.

Quando dividimos a produção em processos e atividades podemos definir pessoas para cada função, isso permite que tenhamos um pouco mais de controle da linha de produção e liberdade para gerenciar a fazenda. Mas como podemos dividir a produção? Aproveito para fazer um pedido: peça as lideranças, entidades de classe como cooperativas e sindicatos para iniciarem projetos em suas cidades de terceirização da produção, com certeza será uma grande ajuda para que você possa aumentar a sua eficiência na produção de leite. Na Nova Zelândia, muitos serviços são terceirizados, veja alguns deles.

Criador de novilhas;

Cuidado de vacas secas;

Produtor de silagem

Bezerreiro;

Serviços de mecanização;

Manutenção e funcionamento da ordenha;

Dividindo e terceirizando o trabalho, seus funcionários não ficarão sobrecarregados e você não terá que cuidar de tudo, você só precisará de buscar informações do que está acontecendo na propriedade e tomar suas decisões embasado nelas.

8. Pautar a Produção pelo Princípio da Sustentabilidade

Vimos recentemente os impactos que as queimadas na Amazônia tiveram sobre a economia Brasileira, o dólar saiu de R$ 3,85 e voltou para R$ 4,20. Mas porque isso aconteceu? Atualmente o mercado globalizado está cada vez mais preocupado com a sustentabilidade, fazendo com que todos os ramos de negócios se preocupem com a sua imagem ambiental perante seu público. Caso sua imagem fique manchada perante o mercado, suas vendas diminuirão, fazendo você perder lucros com um ponto que poderia ser o seu diferencial.

A Nova Zelândia já teve grandes problemas com o leite com melanina e na China quando produtores chineses colocaram o mesmo produto no leite para aumentar a proteína e acabaram matando algumas crianças intoxicadas com a substância. Após isso eles passaram a tomar muito cuidado com a imagem comercial perante o mercado externo, evitando usar agrotóxicos, nitrato no solo e diminuindo sua emissão de gases que poderiam aumentar o efeito estufa para passar uma imagem de produto verde ou mais sustentável. 

A cadeia de produção sustentável da Nova Zelândia eficiência econômica, segurança alimentar, bem-estar animal, respeito ambiental e benefício social. 

9. Utilizar o Melhor Sistema para Produzir Leite. Qual Sistema? Aquele que dá mais Lucro com Sustentabilidade

Hoje podemos produzir leite em diversos sistemas de produção; e como descobrir qual o melhor para se produzir leite? Essa é uma pergunta feita diariamente. Pela diversidade de métodos temos grandes chances de estar escolhendo a errada para trabalharmos. Para saber se estamos utilizando o sistema correto, basta verificarmos a lucratividade da produção, se estivermos produzindo com uma grande lucratividade podemos ter certeza que estamos no caminho certo.

Mas a produção do meu amigo de outro estado/região é mais produtiva que a minha, devo mudar para o mesmo sistema dele? Não, nem todo meio de produção é viável para todas as fazendas e para todas as regiões, precisamos ter cautela e saber reconhecer como funciona a nossa região, entender nossos pontos fortes e nossas limitações.

10. Fundos para Investir em Desenvolvimento e Pesquisas com Recursos dos Produtores

E por fim a lição número 10. Na Nova Zelândia, os produtores deixaram de esperar mudanças do governo e começaram eles mesmo a fazer um fundo de investimento em tecnologia para serem utilizadas nas suas fazendas, depositando uma pequena quantia de seus recebimentos com o leite. Os produtores acumulam NZ$ 67 milhões ou seja R$ 175 milhões para serem investidos nesse fundo.

A cada 6 anos eles se reúnem para votar se aumentam ou abaixam o valor depositado por eles, podendo deixar de depositar para o fundo, mas isso nunca aconteceu, pois os produtores entendem que o ganho que eles adquirem com as tecnologias são muito maiores do que o gasto que eles possuem.

Essas 10 lições foram extraídas da palestra de Airton Spies no evento “Fundamentos de Produção e Qualidade do leite da Nova Zelândia e do Brasil”. Ao final de sua palestra Airton finalizou com uma frase que reflete bem o pensamento e posicionamento de um produtor de leite neozelandês, que nos mostra o quão precisamos mudar nossa maneira de pensar em relação a produzir leite.

“Eu não me considero um produtor de leite, sou um produtor de PASTO e vendo meu pasto através das vacas” (Produtor leite da Nova Zelândia em entrevista a Airton Spies, 1995.)