Esta é uma série, que traz trechos da publicação Boletim Técnico 199, da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), Do pasto ao leite: uma atividade rentável e sustentável, Como produzir 18 mil litros de leite por hectare.

No primeiro trecho vamos trazer para você leitor aqui do Movimento Agro “Os fundamentos para sistemas de produção à base de pasto eficientes”.

A Epagri, nos anos 2000, através de uma série de análises e estudos realizados pelo grupo de especialistas vinculados ao Programa Pecuária, estabeleceu uma proposta para o desenvolvimento sustentável da pecuária de leite em Santa Catarina, tendo como foco a “Produção de leite à base de pastos perenes”, com uma série de diretrizes e indicadores técnicos e econômicos (Figura 1).

A premissa principal do sistema é que a lucratividade da atividade está relacionada com a produtividade de leite por área (HOLMES, 1996). A área de terra é o principal fator de produção relacionado à produção de alimentos (Forragens e concentrados) e corresponde ao maior investimento em capital. Sob este aspecto, maior ênfase é colocada na “produção de leite por área” do que na “produção por vaca”.

A produção de leite por área se constitui num índice bem mais realista de produtividade, pois engloba conceitos de uso eficiente de todos os recursos produtivos existentes na propriedade leiteira, seus indicadores técnicos intermediários e sua correlação com a produtividade por área.

Ao longo do tempo, estes indicadores técnicos têm evoluído dentro das metas estabelecidas pelo Programa Pecuária da Epagri. Atualmente a meta de produtividade é de 18 mil litros de leite por hectare por ano. Este indicador não se caracteriza como um objetivo caprichoso, mas relaciona-se com a eficácia dos sistemas produtivos conectados à eficiência técnica, à eficiência de mão de obra, a razões de ordem econômica e sua capacidade de resiliência. É resultado da evolução dos indicadores técnicos e econômicos alcançados pelas Unidades de Referência Tecnológica (URTs), no período 2012 a 2018 e das avaliações ocorridas dentro do grupo técnico da Epagri. 

Em termos produtivos, 18 mil litros de leite por hectare por ano equivalem a cerca de 50 litros por ha por dia. Esta produção nos sistemas produtivos à base de pasto pode ser alcançada com diferentes estratégias de desenvolvimento, com maior ou menor intensidade do uso dos fatores de produção, envolvendo a capacidade de lotação das pastagens, a estrutura de rebanho, o uso de alimentos conservados, o potencial genético das vacas com menor ou maior uso dos alimentos concentrados.

Um exemplo teórico de como é possível alcançar a produtividade de 18 mil litros por hectare ao ano, a partir de diferentes estratégias produtivas, é apresentado na Figura 2. Em um sistema com uma produtividade média de 12L/vaca/dia, seriam necessárias 4,9 vacas por hectare, enquanto, no outro extremo, é possível a mesma produtividade por área com 2,0 vacas por hectare, mas neste caso produzindo em média 30L de leite por vaca, ao longo de 305 dias de lactação.

Como visto, é possível produzir 18.000L/ha/ano planejando sistemas com diferentes números de vacas/ha, com variação no número de vacas, entre 2,0 e 4,9 vacas/ha e produtividade por vaca, com média diária entre 29,5 e 12,0L de leite/vaca/ dia. Entretanto, para alcançar estas produtividades, cada sistema necessitará de vacas com diferentes potenciais produtivos, de diferentes tamanhos, necessitando de maior ou menor quantidade de alimentos forrageiros e concentrados, tanto por vaca, como por hectare.

Um dos aspectos importantes a serem considerados na avaliação técnica e econômica dos sistemas relaciona-se às necessidades de alimentos concentrados para maximizar a produtividade por vaca e por área.

Ao calcular as necessidades nutricionais de uma vaca com peso médio de 600kg e produção média de 29,5litros/dia e sua correlação com o consumo e o valor nutritivo das pastagens consideradas, constata-se que esta vaca necessita em média 7,25kg de ração por dia, enquanto vacas com peso médio de 400kg e produção média de 17,0 litros necessitam 2,5kg de concentrado por dia (NRC, 2001). Dessa forma, para produzir a mesma quantidade de leite/ha/dia, pode-se produzir com o uso de 15,0kg de ração/dia ou com 8,7 kg, de acordo com o planejamento de cada sistema produtivo. Em algumas situações, quando a relação entre preço do leite e preço da ração ou entre preço do leite e preço dos alimentos conservados é muito estreita, a maior intensidade de utilização desses fatores de produção poderá ter reflexos negativos sobre a rentabilidade dos sistemas.

Quando apontado o volume de leite produzido por hectare/ano, deve-se levar em consideração toda a área utilizada para a produção de forragens que suporta essa produção, seja como pastagens ou seja como forragens conservadas (silagens, fenos ou pré-secados). Na Figura 3 são apresentadas as necessidades de alimentos, forragens e concentrados por hectare/ano, de acordo com o número de vacas/ha relacionado à produção de leite por vaca.

O cálculo teórico apresentado na Figura 3, a partir das equações de consumo de matéria seca de forragens e das necessidades nutricionais da vaca em lactação (NRC, 2001), demonstra que um sistema produtivo planejado com o objetivo de atingir 18 mil litros de leite por ha, utilizando-se de vacas de 600kg de peso vivo, com 2,1 vacas/ha e com produção de 8.400 litros de leite/vaca/ano, necessitará de uma oferta de forragens 8,5% a menos do que um sistema com 3,3 vacas/ha, 400kg peso médio e produção de 5.500 L/vaca/ano. Entretanto, necessitará de um maior aporte de ração concentrada, na ordem de 41%.

O uso da suplementação com concentrados se constitui numa ferramenta importante visando ao aumento da produtividade das vacas. Entretanto, economicamente, a suplementação deve aumentar o retorno sobre os custos de alimentação, ou seja, os investimentos feitos na suplementação com concentrados, visando aumentar a produção e produtividade, têm que resultar efetivamente no aumento da margem líquida por hectare.

Historicamente em Santa Catarina a relação entre o preço de 1,0kg de ração concentrada e 1,0kg de matéria seca (MS) de pasto é na ordem de 1: 20, ou seja, o custo de 1,0kg de concentrado é 20 vezes superior ao custo de 1,0kg de MS de pasto produzido. Quando projetados estes custos, a partir do custo do quilo de matéria seca de pasto (0,05 R$/kg) com o custo da ração concentrada (1,0R$/kg), observa-se que o custo médio da alimentação por litro de leite em média é 25% superior nas vacas com peso de 600kg e produção média de 8.400L/vaca/ano em relação às vacas com peso médio de 400kg e produção média de 5.500L/vaca/ano.

Para contabilização dos custos com alimentação no planejamento e manejo do sistema devemos considerar que numa propriedade leiteira o rebanho não é constituído apenas por vacas, mas também por outras categorias animais como novilhas e terneiras, que, da mesma forma que as vacas, necessitam de alimentação para o seu desenvolvimento. No planejamento do sistema é importante considerar estas categorias, em número e em representatividade relacionado ao peso vivo presente no rebanho, sendo possível transformar em número de Unidade Animal (UA = 450kg de peso vivo) cálculo que será visto posteriormente. Num rebanho com estrutura produtiva normal, as vacas representam em torno de 65% das UA presentes no rebanho.

Para fins de exemplificação e análise da importância do potencial produtivo das forrageiras no planejamento dos sistemas e nas estimativas de oferta forrageira por Unidade Animal adotam-se os seguintes parâmetros: uma estimativa de consumo médio durante o seu ciclo produtivo na ordem de 2,75% do peso vivo em matéria seca de pasto, com uma oferta de pasto 30% superior às estimativas de consumo; ou seja, para cada Unidade Animal, uma estimativa de oferta de 16,0kg MS/dia, correspondendo a 5.840kg MS/ano. A partir desta informação é possível relacionar o número de UA por ha com as necessidades de produção de matéria seca por área (Figura 4).

Em relação à produtividade por área, um dos principais parâmetros que determinam o potencial produtivo de um sistema relaciona-se ao potencial produtivo das pastagens e sua capacidade de suporte. A escolha de pastagens com alto potencial produtivo e valor nutritivo é fator produtivo fundamental para determinar a capacidade produtiva do sistema.

A partir da Figura 4 é possível estabelecer que sistemas produtivos eficientes e produtivos se estabeleçam a partir de uma capacidade de suporte mínima de 3,0UA/ha, necessitando de uma produtividade mínima de 17.000kg MS de forragem. E que, caso o objetivo seja planejar um sistema produtivo com taxa de lotação média de 5,0UA/ha (2.250kg Peso Vivo/ha), com adequada oferta de pasto, há a necessidade de se estabelecer um conjunto de pastagens com potencial produtivo de 28.000kg MS/ha/ ano.

Leia Mais: #2 - Capacidade de Suporte do Sistema Produtivo