Após um ano de funcionalmente, sistema instalado na fazenda experimental da Embrapa mostra redução do estresse térmico do rebanho e aumento médio de 7,8 litros de leite/vaca/dia. Por Alessandro Sá Guimarães, Armando Costa Carvalho, Carlos Roberto da Silva, Mirton Frota Morenz e Pedro Braga Arcuri, todos pesquisadores da Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora-MG.
A Embrapa Gado de Leite iniciou as operações no sistema compost barn “Vacas e Pessoas Felizes” no dia 12 de março de 2020, pouco antes da entrada em vigor das medidas de distanciamento social recomendadas durante a pandemia do Covid-19. A instalação leva esse nome para destacar seus potenciais resultados, como o aumento do conforto dos animais e do pessoal diretamente envolvido com o manejo do rebanho. Como proposta do projeto, está a intensificação dos indicadores de produtividade do sistema.
Dados de produção, composição e qualidade do leite, temperatura e umidade do ar e da cama de compostagem e indicadores de bem-estar e comportamento foram coletados ao longo desse primeiro ano de funcionamento. A instalação é a única deste porte dentre as 43 unidades da Embrapa e é também o único estábulo desse tipo instalado em uma empresa pública dedicada à pesquisa. O objetivo principal do investimento é gerar dados e informações que sirvam para dar mais segurança para os produtores de leite e técnicos tomarem decisões.
O sistema é formado por um galpão fechado nas laterais com lonas e ventilação artificial baseada em exaustores, o que permite um ambiente termicamente controlado pela circulação de ar resfriado, denominado “túnel de vento”, uma vez que a temperatura ambiente é regulada por termostatos que acionam exaustores situados numa extremidade e pelo sistema de refrigeração à base da evaporação de água através de placas evaporativas localizadas na extremidade oposta, promovendo o fluxo de ar resfriado ao longo do galpão. Neste, são mantidas as vacas em lactação e pré-parto. Adicionalmente, um outro galpão, aberto, é usado na recria de novilhas.
O compost barn da Embrapa Gado de Leite tem capacidade para 100 vacas, considerando-se áreas entre 10-14m²/vaca, sendo que aquelas no início da lactação foram mantidas em 12m2/vaca. A cama utilizada tem sido a maravalha de madeira. A cama é revolvida duas vezes por dia para incorporar o esterco e a urina, garantindo deste modo a aeração do material, parte fundamental do processo da compostagem, utilizando-se um equipamento revolvedor. Isso porque é fundamental evitar a umidade excessiva e manter a temperatura, a 15 a 20 cm abaixo da superfície da cama, entre 45 e 55º C. São fatores críticos tanto para o processo de compostagem quanto para impedir a proliferação de microrganismos patogênicos. Adicionalmente, é fundamental a presença de níveis elevados de oxigênio, garantidos pelo revolvimento diário do material.
Além do manejo da cama, o esterco gerado na pista de alimentação é raspado sem uso de água, utilizando-se raspador automático. Para detecção e controle de casos de mastite clínica, está sendo utilizado o sistema “cultura na fazenda” da empresa OnFarm e monitoramento animal com sensores dispostos em colares da empresa CowMed para avaliação de indicadores ruminação, comportamento sexual e saúde. OnFarm e CowMed participaram do Desafio de Startups, do movimento Ideas For Milk, iniciativa da Embrapa Gado de Leite desde 2016.
Ao longo do primeiro ano de funcionamento, os animais foram divididos inicialmente em quatro lotes: vacas em pré-parto, períodos inicial, mediano e final de lactação, de modo a receberem dietas específicas para cada categoria.
Baixo Nível de Estresse em todas as Categorias
Nesse período, a redução da temperatura no interior do galpão foi em média de 8,3º C. A temperatura máxima do ambiente externo foi de 35,1o C, atingindo no interior do galpão o máximo de 26,8º C no mesmo dia. As lonas defletoras inclinadas do teto até cerca de 3 m da cama promovem a movimentação do ar resfriado para baixo, permitindo o resfriamento das vacas e a redução do estresse térmico. A água à vontade, de boa qualidade e permanentemente disponível em bebedores automáticos também contribuiu para o baixo nível do estresse térmico entre os animais de todas as categorias.
Os resultados de umidade relativa do ar no exterior do galpão (média diária) e os limites máximo e mínimo no seu interior demonstram que, num ambiente de umidade relativa do ar naturalmente elevada, como a região da Mata Atlântica, o sistema em túnel de vento foi capaz de resfriar o ambiente do galpão no período avaliado.
A proximidade das placas evaporativas permanentemente saturadas de água para o resfriamento do ar resultou em maior teor de umidade da cama na metade do galpão localizada próxima às placas, independente da categoria e da lotação animal (figura 1). Isso demonstra a necessidade de avaliação da umidade da cama em vários pontos, de modo a se ajustar o manejo da mesma, especialmente quanto ao revolvimento e, eventualmente, à necessidade de adição de maravalha fresca.
A figura 2 apresenta a temperatura obtida a 15-20 cm de profundidade da cama no galpão resfriado, indicando a posição dos diferentes lotes. Observa-se que próximo às placas evaporativas a temperatura observada foi menor e por esse motivo manteve-se nessa posição o lote de vacas em pré-parto, estabelecendo-se área de 14 m2 para cada vaca, a fim de maximizar seu conforto. O lote 1, contíguo ao de vacas em pré-parto e constituído de vacas em pico de lactação, apresentou temperatura da cama maior, provavelmente em função do maior número de animais neste estágio, maior consumo de matéria seca e, consequentemente, maior produção de dejetos. Periodicamente, é realizada a inversão de lotes em lactação dentro do galpão, devido à dinâmica do rebanho que ainda não está estabilizado.
A figura 3 apresenta a evolução dos dias em lactação (DEL) e da produção média diária por vaca em lactação. O aumento médio da produtividade foi de 29.4% no período analisado, passando de 26,50 litros/vaca/dia para 34,30 litros/vaca/dia no período de um ano. A oscilação de produtividade verificada no período está relacionada ao aumento transitório do DEL observado nesse primeiro ano.
Adicionalmente ao lote de animais em pré-parto, as vacas em lactação mantidas no galpão resfriado pelo sistema “túnel de vento” estão divididas em três grupos, de acordo com a produção de leite, com as seguintes médias: lote1, 48,1 kg/vaca/dia; lote 2, 39,2 kg/vaca/dia; lote 3, 28,1 kg/vaca/dia.
A ocorrência de casos de mastite clínica no rebanho dentro do sistema é um dos mais importantes parâmetros sanitários a ser monitorados em função da elevada carga microbiana presente na cama que, quando mal manejada, pode acarretar piora do escore de sujidade das vacas e ocorrência de picos de casos de mastite clínica. No período avaliado, os casos de mastite clínica ficaram abaixo de 2% (figura 4), índice desejável para propriedades leiteiras. A redução no uso de antibióticos foi significativa, tendo em vista a menor incidência de casos de mastites contagiosas e ambientais.
A evolução dos parâmetros de contagem de células somáticas (CCS) e contagem total de bactérias (CTB) no rebanho são apresentados na figura 5. A CCS média no período foi de 271.000 UFC/ml e a CTB foi de 25.000 UFC/ml, ambos atendendo aos critérios da IN 76/2018, cujos limites são de 500.000 UFC/ml para CCS e 300.000 UFC/ml para CTB no leite cru. Não obstante os resultados atenderem à legislação, o objetivo para a qualidade do leite desse sistema é reduzir significativamente as contagens de CCS e e CTB, à medida que o seu manejo seja otimizado.
Embora tenha sido observado incremento na produção de leite, com média atual em torno de 37 kg/vaca/dia, em contraste com 31,6 kg/vaca/dia obtido em julho/2020, e médias ainda menores no início do funcionamento do sistema, os teores de gordura e proteína se mantiveram estáveis e característicos para animais da raça Holandesa e Girolando de alta produção. Para a manutenção desses teores de gordura, a dieta à base de silagem de milho e concentrado proteico é balanceada priorizando-se os teores de fibra efetiva e de carboidratos não fibrosos.
Por outro lado, embora o teor de proteína bruta na dieta não exceda 16,6%, foram observados valores médios de 17.5 mg/dl de nitrogênio ureico no leite (NUL) em março/2021, acima da faixa-limite preconizada, de 12 a 14 mg/dl. Devido a esses resultados, ajustes estão sendo realizados no manejo da dieta quanto ao tamanho de partícula, degradabilidade dos ingredientes e manejo da pista de alimentação.
Perspectivas para os Próximos Anos
Um circuito de câmeras para captura de imagens será instalado para aumentar a quantidade de informações nos estudos do comportamento dos animais. Ademais, o desempenho reprodutivo e ainda o monitoramento do consumo de água e o permanente registro das condições da cama contarão com equipamentos específicos para a geração de dados. O sistema Vacas e Pessoas Felizes contará também com a geração de energia fotovoltaica, por meio de mais uma parceria da Embrapa Gado de Leite com o setor privado.
Em conclusão, os dados obtidos ao longo do primeiro ano de funcionamento indicam que o sistema fechado do tipo “túnel de vento” permitiu a manutenção em níveis ideais ou próximos a estes para a manutenção das vacas em condições de bem-estar e conforto, da temperatura e da umidade, tanto do ambiente no interior do galpão quanto da cama dos animais.
Tais resultados provam que a instalação reduziu o estresse térmico de vacas de alta produção e, ao mesmo tempo, manteve as condições ideais para o processo de compostagem da cama, no desafiador ambiente de altas temperatura e umidade relativa típicas da região da Zona da Mata de Minas Gerais. Como resultado, a produção das vacas aumentou em média 7,8 litros de leite/dia com redução significativa da incidência de mastite e problemas de aprumo, cascos e outros, típicos de sistemas intensivos de confinamento.