Este é um trecho do Capítulo 19 do livro “Diferentes Abordagens sobre Agricultura Irrigada no Brasil”, Técnica e Cultura, lançado em 2021. Autores: Luís César Dias Drumond, Fernando Campos Mendonça, André Santana Andrade, Maicon Fábio Appelt e Danielle Morais Amorim.

O potencial produtivo de pastagens é determinado por vários fatores, manipuláveis ou não. As condições climáticas constituem os fatores não manipuláveis e geralmente são os principais a considerar na determinação do potencial produtivo e da resposta à irrigação, denominado de potencial produtivo climático. Os fatores de maior impacto são disponibilidade hídrica, temperatura e radiação solar. No caso das pastagens irrigadas, o foco pode se resumir aos dois últimos, pois a irrigação suprirá parcial ou integralmente a demanda das plantas.

As produtividades alcançadas com forrageiras tropicais fertirrigadas são consideravelmente altas. Vários projetos em regiões de clima tropical já alcançam produtividade anual 40 a 60 toneladas de matéria seca por hectare (t [MS] ha-1), capaz de sustentar 8 a 12 Unidades Animais por hectare (UA ha-1; 1 UA = 450 kgf de peso vivo).

Para atingir tais níveis de produtividade, as plantas forrageiras chegam a extrair mais de 900 kg ha-1 ano-1 de nitrogênio (N) em sistemas de pastejo, e mais de 1.800 kg ha-1 ano-1 de N em sistemas de produção e corte de forragem (DRUMOND; AGUIAR, 2005; MELO et al., 2020). 

Na determinação do potencial produtivo, geralmente se considera cada espécie e/ou cultivar separadamente, porém, genótipos com comportamento semelhante em determinados sistemas podem ser agrupados. A estimativa do potencial produtivo real pode ser feita por meio de modelos matemáticos, que requerem informações climáticas, bem como informações sobre fertilidade do solo e adubação, características físicas do solo, sanidade das plantas, estrutura em que a pastagem é mantida (quantidade e qualidade da área foliar), efeitos diretos (frequência e intensidade de desfolha) e indiretos do pastejo (pisoteio, distribuição de excretas, etc.), e mão de obra.

Há muitos tipos de modelos, com diferentes níveis de complexidade e número de variáveis consideradas. Geralmente os modelos de estimativa do potencial produtivo que consideram somente temperatura, balanço hídrico e adubação nitrogenada são satisfatórios para plantas sem estímulos fisiológicos específicos. Em condições de irrigação total (sem deficit) pode-se excluir o balanço hídrico, assim, modelos simples podem executar boas estimativas de produção de forrageiras irrigadas que se tornam importantes ferramentas no planejamento de um projeto.

Modelos agrícolas integram conhecimentos multidisciplinares, como física e química do solo, fisiologia e melhoramento vegetal, agrometeorologia e manejo, dentro de equações matemáticas utilizadas para predizer crescimento, desenvolvimento e produção (HOOGENBOOM, 2000). Assim, auxiliam na organização, interpretação e aplicação do conhecimento científico atual, sugerindo prioridades na pesquisa pela identificação de lacunas no conhecimento e estímulo de novas ideias. 

A modelagem tem sido uma ferramenta eficaz na simulação do crescimento de plantas com significativos avanços nos últimos anos, principalmente devido ao aumento da demanda por previsões de safras, estudos sobre mudanças climáticas e avanços da informática (DOURADO-NETO et al., 1998a). Os usuários de modelos acompanharam essa evolução e estão crescendo em número e grau de sofisticação (GRABLE, 1987). No entanto, cuidados devem ser tomados, principalmente em relação às limitações intrínsecas de cada modelo. É necessário fazer a validação para cada cultura e região, de modo a garantir a qualidade dos dados e a confiabilidade dos resultados. As maiores limitações na geração e uso dos modelos são o histórico disponível do sistema a ser simulado e a disponibilidade de dados de entrada (HOOGENBOOM, 2000). 

Modelos variam de muito simples (uma equação linear) a extremamente complexos (milhares de equações) (HOOGENBOOM, 2000), e podem ter várias classificações: estáticos ou dinâmicos, discretos ou contínuos, determinísticos ou estocásticos e mecanísticos ou empíricos.

Modelos dinâmicos têm o tempo como variável, e os estáticos, não. Tanto os discretos quanto os contínuos são dinâmicos. Nos contínuos, porém, o tempo é um valor real (exemplo 2, 24 h), enquanto nos discretos o tempo é identificado por valores inteiros (exemplo 2 h).

Modelos estocásticos contêm algum elemento de aleatoriedade ou distribuição de probabilidade; os determinísticos, não (TEH, 2006). Modelos para predição da produção de MS de plantas geralmente são determinísticos e dinâmicos: buscam representar as respostas de um sistema responde ao longo do tempo, sem distribuição de probabilidade associada (THORNLEY; JOHNSON, 1990). Podem ser mecanicistas ou empíricos e são o alvo desta revisão.

Os modelos mecanicistas consideram os conhecimentos dos processos físicos, químicos e biológicos que governam os fenômenos em estudo (TEH, 2006), permitindo o entendimento e uma provável extrapolação das condições em que foram gerados. No entanto, são necessárias mais informações para a sua geração e utilização, por isso, são mais utilizados na pesquisa.

Os modelos empíricos (também chamados de correlativos ou estatísticos) são de geração simples e fácil aplicação. No entanto, estão sujeitos a maiores erros e são limitados à faixa de condições em que foram gerados (DOURADO-NETO et al., 1998b). São elaborados buscando a correlação entre produção ou crescimento de plantas com uma ou mais variáveis (temperatura, radiação, disponibilidade hídrica e de nutrientes, especialmente o nitrogênio). Atualmente, são os mais estudados nas condições tropicais (CRUZ et al., 2011; TONATO et al., 2010).

Obviamente, a escolha do tipo de modelo a ser utilizado dependerá dos objetivos da previsão e da disponibilidade de informações. Os modelos empíricos são os de mais fácil utilização, principalmente devido à disponibilidade de dados. Assim, neste capítulo vamos abordar somente a aplicação desse modelo.

A análise de regressão é a técnica mais comum de gerar modelos matemáticos empíricos. As técnicas de regressão são utilizadas visando gerar equações capazes de estimar a produção de plantas (variável dependente) em função de fatores relacionados (variáveis independentes). As variáveis meteorológicas são as mais comuns (HOOGENBOOM, 2000).

As principais variáveis utilizadas na geração de modelos para forrageiras são as temperaturas do ar (máxima – Tx, média – Td e mínima – Tn), a radiação solar global (Rg), o fotoperíodo (N) e a disponibilidade de água no solo. Frequentemente outras variáveis são calculadas visando melhorar a capacidade preditiva, principalmente as somas térmicas em: (i) graus-dia (GD) (OMETTO, 1981), que relaciona o acúmulo de temperaturas ocorridas entre um ou dois limites de temperatura-base (inferior, ou inferior e superior) e o crescimento de plantas; (ii) Unidades Fototérmicas (UF) (VILLA NOVA et al., 1983), que considera os GD e o fotoperíodo; e (iii) o Índice Climático de Crescimento (ICC) (FITZPATRICK; NIX, 1973), que leva em consideração a Rg, um índice térmico de crescimento da planta e um fator de penalização hídrico, geralmente a relação entre a evapotranspiração real (ETr) e a potencial (ETp).

Como os valores exatos não são conhecidos, o uso de valores com pequenos desvios na modelagem do crescimento pode resultar em grandes erros nas estimativas de produção. Assim, é importante que na aplicação dos modelos sempre se considere a temperatura-base utilizada ou estimada pelo autor do modelo, pois apesar de ser considerada fixa para cada espécie, variações têm sido observadas entre trabalhos (Tabela 1).

Modelos recentes com boa capacidade preditiva da produção de forrageiras geradas por Araujo et al. (2013), Cruz et al. (2011), Pezzopane et al. (2012), Rodrigues (2004) e Tonato et al. (2010) estão sumarizados na Tabela 2. A temperatura média dos experimentos que geraram a base de dados destes modelos situou-se entre 16 e 26°C, aproximadamente.

Os modelos variam entre espécies e cultivares, no entanto, alguns foram agrupados para forrageiras com respostas semelhantes. Em geral os modelos gerados são lineares univariados, sendo, portanto, simples e de fácil aplicação. Os ajustes têm variado desde coeficientes de determinação (R²) inferiores a 0,40 até 0,87, a depender do genótipo e da variável utilizada.

A síntese desses modelos (Tabela 2) permite afirmar que os de melhor ajuste (maior R²) foram baseados em disponibilidade térmica e hídrica, com a variável evapotranspiração real (ETr), ou temperatura, ou graus-dia associados ao um índice baseado no balanço hídrico (GDcorr).

Quanto menor o intervalo de tempo utilizado para o cálculo da variável, melhor será a estimativa. O ideal é o uso de dados diários, porém, estes geralmente não estão disponíveis. Nos modelos de Cruz et al. (2011) e Pezzopane et al. (2012), o balanço hídrico foi realizado em escala de cinco dias. Entretanto, em muitas regiões não é possível a obtenção de dados climáticos diários. Se um técnico ou pecuarista deseja saber o potencial de produção de forragem em determinada região para avaliar a viabilidade de um projeto, necessita ter acesso aos dados de estações meteorológicas próximas. Se não for possível, as estimativas podem ser realizadas com base em dados de médias mensais, de mais fácil obtenção, mas a interpretação dos resultados deve ser feita com cautela. Meses de chuvas intensas e concentradas frequentes, por exemplo, podem gerar médias mensais de alta disponibilidade hídrica, mesmo que ocorram períodos de 15 a 20 dias sem chuvas. Neste caso, pode haver superestimativa do potencial produtivo.

Para suprir a falta de dados de estações meteorológicas locais, podem ser utilizadas bases de dados como a NASA Power (https://power.larc.nasa.gov/) e a Global Weather (https://power.larc.nasa.gov/), que utilizam a combinação de dados de estações meteorológicas, satélites meteorológicos, modelos matemáticos e sistemas de georreferenciamento que possibilitam a estimativa de dados locais em escala diária.

Por outro lado, nas áreas irrigadas parte-se do pressuposto que não há déficit hídrico, com reposição integral da evapotranspiração. Portanto, as simulações podem ser simplificadas ao uso da temperatura ou de graus-dia, e os erros oriundos da disponibilidade hídrica são reduzidos. Tal como discutido anteriormente, aplicações de modelos empíricos devem ser realizadas em situações semelhantes àquelas de obtenção do modelo.

Para exemplificar, pode-se considerar o potencial para diferentes regiões e tomar o modelo empírico de Pezzopane et al. (2012) para estimativa da produção de matéria seca de P. maximum cv. Tanzânia com base na evapotranspiração real (ETR) (Tabela 2). Foram realizadas estimativas para condições irrigadas e de sequeiro para as localidades de Presidente Prudente-SP, Uberaba-MG e Porto Nacional-TO (Figura 1). Considerando os dados climáticos normais com escala mensal (BD Clima, 2013), o modelo foi composto pela equação linear:

Uma vez que no balanço hídrico utilizado calcula-se a ETR considerando o déficit hídrico (THORNTHWAITE; MATHER, 1955), estipulou-se que na condição irrigada não há deficit hídrico e a evapotranspiração real é igual a evapotranspiração potencial (ETr = ETp). Observa-se claramente o aumento da resposta das forrageiras à irrigação com o aumento da intensidade ou extensão de condições de alta temperatura e limitação hídrica, especialmente na primavera.

Em Porto Nacional (TO), o “inverno” apresenta temperaturas altas e um período seco. Por isso, a diferença de produção entre a condição irrigada e de sequeiro é bem superior à das demais localidades (inverno seco e frio). 

No entanto, o ganho em produção de matéria seca necessário para viabilizar a implantação do sistema de irrigação deve ser convertido em desempenho animal por área. O ajuste deve ser realizado com aumento em taxa de lotação que, dentro de certos limites, proporcionará um resultado ótimo por área. Se a alteração em produção de forragem não for acompanhada de ajuste na taxa de lotação, o efeito será transferido ao desempenho dos animais. Neste exemplo, uma alta taxa de lotação poderia ser mantida com ganho de peso diário médio adequado na condição irrigada, mas não na condição de sequeiro.

Em regiões com clima de inverno frio e seco, uma alternativa para aumento da produção de forragem é a sobressemeadura de espécies de inverno nas pastagens tropicais irrigadas. A sobressemeadura é utilizada há muito tempo na região Sul do Brasil, onde o inverno é chuvoso, mas passou a ser utilizada nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, principalmente em sistemas de produção de leite.

As espécies mais utilizadas das áreas de pastagens com sobressemeadura são a aveia preta (Avena strigosa) e o azevém anual (Lolium multiflorum) (MENDONÇA, 2021), mas há outras opções, como os cereais de duplo propósito utilizados na região Sul (trigo, aveia branca, cevada, centeio e triticale) (FONTANELI et al., 2016). O uso de várias espécies hibernais colabora para equilibrar a oferta de forragem no período de estacionalidade das forrageiras tropicais, pois a produção de cada espécie ocorre em diferentes períodos: aveias são precoces (60% em junho e julho) e o azevém, tardio (70% entre agosto e setembro) (POSTIGLIONI, 1982).

Os dados provenientes do trabalho de Oliveira et al. (2005) mostram que o ganho em lotação animal de até 70% no período de outono-inverno, passando de 2,5- 3,5 a 5-6 UA ha-1. Uma revisão de literatura feita por Rodrigues et al. (2011) tratando da sobressemeadura mostrou resultados diversos, de acordo com a combinação de forrageiras tropicais e hibernais. Os autores concluíram que os resultados são melhores em forrageiras tropicais e subtropicais de porte baixo (Ex.: gênero Cynodon) e com rebaixamento mais acentuado nas forrageiras de porte alto (Ex.: gêneros Panicum e Pennisetum).

Mais detalhes sobre a sobressemeadura e seus benefícios em sistemas de produção animal podem ser encontrados em uma extensa revisão sobre o tema no trabalho de Mendonça (2021).