Um novo kit de diagnóstico desenvolvido pela Embrapa Gado de Corte (MS) obteve alto índice de acerto na detecção da tuberculose bovina (TB), doença responsável por perdas anuais de cerca de US$ 3 bilhões na pecuária de corte mundial. A inovação está em associar o método Elisa (sigla inglesa para ensaio de imunoadsorção enzimática) ao teste intradérmico, atualmente o único oficial para a tuberculose bovina no Brasil. O novo kit apresenta como vantagens a praticidade, rapidez e possibilidade de testar várias amostras em curto espaço de tempo, além de automação na obtenção dos resultados, baixo custo e fácil padronização para uso em diferentes laboratórios.
Uma parceria firmada com o laboratório americano Ellie Lab, Miladin Kostovic em 2017, especializado em soluções analíticas nas áreas de saúde animal, medicina e segurança alimentar, para produção e comercialização do kit Elisa vai possibilitar que a tecnologia desenvolvida pela Embrapa chegue em breve ao mercado brasileiro. O processo de registro da tecnologia no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), a produção do Kit pelo Ellie e tratativas de importação e comercialização já estão em andamento, como informa o representante do laboratório americano no Brasil, Jorge Agottani, da VPdiagnóstico.
Novo kit beneficia produção e abre portas para exportação
Segundo o pesquisador da Embrapa Gado de Corte Flábio Ribeiro Araújo, especialista em imunologia e biologia molecular, o teste sorológico Elisa está fundamentado em um antígeno para imunodiagnóstico da tuberculose causada pela bactéria Mycobacterium bovis. “O exame é feito em placas e quando a reação é positiva ele gera uma coloração”, explica. O novo teste sorológico complementa o intradérmico ou tuberculinização, oficialmente usado hoje no Brasil. Além de acelerar o saneamento do rebanho, não interfere no estado imunológico do animal, podendo ser feito várias vezes.
Outra vantagem é a detecção da doença em diferentes níveis. “Os anticorpos contra as proteínas são produzidos em tempos distintos dependendo do estágio de infecção dos animais, e o kit Elisa consegue identificar a doença em diferentes estágios”, esclarece Araújo. De acordo com ele, durante as pesquisas foi possível detectar, corretamente, 88,7% dos animais doentes e 94,6% dos sadios. “O método enzimático indireto de leitura acusa a presença de anticorpos contra o bacilo da tuberculose nos animais, aumentando a cobertura diagnóstica quando usado em conjunto com o teste intradérmico, que atualmente é o único oficial para detectar a tuberculose bovina no Brasil”, acrescenta.
Além disso, a técnica não exige que os animais sejam manuseados mais de uma vez para a coleta de amostras de sangue, que podem ser utilizadas também para diagnóstico de outras doenças, o que representa benefício econômico. Vale destacar ainda que a coleta de sangue pode ser feita a qualquer momento para ser testada de imediato ou armazenada para estudos retrospectivos.
A nova tecnologia da Embrapa pode impactar também a exportação. Atualmente, a tuberculose bovina é um grande problema em função das crescentes exigências sanitárias por parte dos países importadores, que impõem, cada vez mais, restrições às propriedades com diagnóstico positivo. Estima-se que as perdas anuais com essa doença no mundo girem em torno de 3 bilhões de dólares, o que justifica a realização de novas pesquisas com testes de diagnóstico mais rápidos, seguros e com melhor acurácia para a realização do abate sanitário dos animais infectados e, principalmente, para controlar a disseminação da doença.
A pesquisa contou com as parcerias da Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Embrapa Gado de Leite e Embrapa Pantanal no fornecimento de amostras para análises.
A tuberculose e suas implicações em animais e humanos
No Brasil, a tuberculose bovina é uma grande preocupação para a pecuária. A doença acomete rebanhos leiteiros e de corte, acarretando prejuízos sanitários e econômicos para o País. É uma enfermidade infectocontagiosa de evolução crônica, causada pela bactéria M. bovis, e contagia não só bovinos como também caprinos, ovinos, suínos, animais silvestres e domésticos, caracterizando-se como uma zoonose. Além disso, trata-se de um problema econômico por estar associada à morte de animais, causando prejuízo a produtores. Animais com diagnóstico de tuberculose têm sua produtividade afetada apresentando quedas no ganho de peso, diminuição da produção de leite e condenação de carcaças.
A tuberculose bovina é um problema de saúde pública porque é transmissível para o homem, seja na ingestão ou manipulação de leite contaminado ou mesmo na inalação de gotículas de animais infectados. As bactérias estão presentes no leite cru, por isso a legislação determina o consumo de leite pasteurizado, pois o processo elimina as bactérias indesejáveis prevenindo a transmissão da doença para o homem. Na carne, a TB pode ser identificada na carcaça e em algumas vísceras, e, uma vez constatada pela inspeção, é descartada. Da mesma forma que não se recomenda ingerir leite cru, não se deve comer carne que não foi inspecionada.
Um dos grandes problemas nas fazendas de gado é a transmissão de animais infectados para os sadios no rebanho. A principal forma de contaminação é pela via respiratória ocorrendo também pelo ar, contato direto com secreções nasais, fezes de bovinos nas pastagens, movimentação do gado, entre os rebanhos, nos limites das fazendas, pelo solo ou silagem e água potável. O fato é que quanto maior a quantidade de animais infectados, maior será o número de bactérias presentes no ambiente.
Por isso a importância de se elaborar periodicamente diagnósticos nos rebanhos e, principalmente, seguir as orientações do Programa Nacional e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (PNCEBT), de competência do Mapa e das Secretarias de Agricultura dos estados, em vigor desde 2001.
O objetivo do Programa é reduzir a prevalência e a incidência dessas duas doenças em bovinos e bubalinos, visando à erradicação. A estratégia de defesa sanitária está baseada na classificação de risco de cada região e os procedimentos diferem de uma área para outra. Os produtores devem seguir o protocolo de erradicação das doenças, além de realizar testes diagnósticos, controlar o trânsito de animais, entre outras exigências. Seguir as normas estabelecidas no PNCEBT evita prejuízos econômicos e a transmissão das doenças para o homem.
Sem vacina nem tratamento, o melhor controle é a prevenção
O tratamento nos animais com tuberculose não é permitido e o serviço de defesa sanitária deve ser notificado sobre todo animal com diagnóstico da doença. Os infectados devem ser sacrificados em até 30 dias e essa ação deve ser acompanhada pela inspeção do serviço oficial de defesa sanitária animal, seja em matadouro frigorífico ou com destruição e enterro na propriedade.
Araújo ressalta que a melhor estratégia para o produtor é monitorar seu rebanho periodicamente. Segundo o pesquisador, as medidas preventivas começam pelo manejo dos animais, higiene, transporte e gerência na entrada de novos lotes na fazenda. Ele afirma que estabelecer controles no rebanho é de grande valia na gestão da propriedade, como, por exemplo, ter controle sobre a origem dos animais, identificação, testar aqueles que forem adquiridos, entre outras ações. “Todas essas medidas são importantes na erradicação do problema, além, é lógico, de seguir à risca o protocolo do PNCEBT”, salienta.
O produtor com rebanho contaminado tem o valor comercial de seus animais depreciado, ficando em desvantagem no mercado. São várias questões levadas em consideração na gestão da propriedade, inclusive a de continuar no mercado competitivo ou não. Estar em dia com as obrigações sanitárias evita maiores prejuízos, o que inclui seguir o regulamento do PNCEBT, que estabelece medidas de caráter compulsório e de adesão voluntária a serem observadas pelo produtor.
As compulsórias consistem em vacinar bezerras de três a oito meses de idade contra a brucelose, eliminar animais diagnosticados para brucelose ou tuberculose e cumprir as exigências de trânsito com os animais. Já as voluntárias se referem a iniciativas dos produtores para certificar as suas propriedades como livres de brucelose e tuberculose. A vantagem dessa adesão são os benefícios econômicos, como a redução dos prejuízos ocasionados pelas doenças, maior credibilidade sanitária e agregação de valor aos produtos. Uma recomendação importante é que o produtor, ao adquirir novos animais, exija os atestados de testes negativos de brucelose e tuberculose. Dessa maneira, reduz o risco de introduzir animais infectados no rebanho.
Testes oficiais no Brasil
Os testes oficiais da TB, chamados de tuberculina, são uma medida da resposta imune do animal à bactéria Mycobacterium bovis. Quando exposto ao agente, o animal desenvolve resposta imune específica e quando a tuberculina - um derivado proteico purificado - é injetada intradermicamente, esse sistema é ativado, gerando um inchaço no local da aplicação e indicando a reação positiva.
São três os testes tuberculínicos oficiais utilizados: Cervical Simples (TCS) - adotado como prova de rotina para rebanhos leiteiros; Prega Caudal (TPC) - utilizado exclusivamente em gado de corte também como prova de rotina com resultado após 72 horas; e o Cervical Comparativo (TCC) - um teste de triagem para rebanhos leiteiros que pode ser utilizado como teste confirmatório em animais reagentes ao teste cervical simples ou ao teste da prega caudal, ou como prova de rotina em rebanhos com histórico de reações inespecíficas, em estabelecimentos certificados como livres e naqueles com criação de búfalos, visando garantir boa especificidade diagnóstica.
Eliana Cezar (DRT 15.410)
Embrapa Gado de Corte
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